Ex-ministro da Saúde explica como preparar a gestão hospitalar para operar de forma complementar ao SUS
Por Editorial GesSaúde
Conhecer as demandas regionais por serviços de Saúde, preparar o hospital de acordo com essas necessidades e manter a instituição dentro dos princípios e normas técnicas estabelecidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde), são algumas das principais características que devem ser seguidas por organizações de Saúde com interesse em atender ofertas do sistema público.
Em entrevista exclusiva ao Portal GesSaúde, Arthur Chioro, ex-ministro da Saúde, médico e professor de Saúde Coletiva da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), explica que a qualidade da prestação de serviços aos SUS também deve ser uma preocupação da gestão hospitalar. Além disso, o ex-ministro apresenta formas de hospitais de pequeno e médio porte atenderem as demandas do sistema público de Saúde.
Editorial GesSaúde – Como o hospital deve estar estruturado para receber demandas do SUS?
Arthur Chioro – Uma primeira questão, já que a participação do setor privado é prevista em caráter complementar na própria Constituição Federal e nas leis que regulamentam o SUS (Sistema Único de Saúde), é que os hospitais privados devem compatibilizar a oferta às necessidades do SUS em âmbito local e regional. É muito comum observarmos uma inadequação nesse sentido. Vejo que determinados prestadores querem impor um padrão de oferta muitas vezes incompatível com a necessidade, o que gera duplicidade, irracionalidade do custo e não permite atingir uma dimensão de escala racional e adequada. Portanto, é muito importante compreender o que está previsto no Plano Municipal de Saúde, as pactuações que foram feitas e que apresentam as prioridades do ponto de vista das regiões de Saúde, em particular identificando vazios assistenciais, ou seja, aquilo que os gestores demandam como efetiva necessidade de participação das organizações privada de Saúde em caráter complementar. Quando esse cenário acontece, a chance de a parceria ser boa para todo mundo, para os gestores do SUS, para os gestores do setor privado, e melhor ainda para a população, é sempre maior e mais exequível.
Editorial GesSaúde – Quais são os aspectos necessários para que um hospital privado consiga recursos por meio do atendimento das demandas do SUS?
Arthur Chioro – De acordo também com o que está previsto na lei, os hospitais privados filantrópicos têm precedência aos lucrativos todas as vezes que os gestores do SUS precisam contratar o setor privado. Todos devem compreender como funciona a legislação e atender os regramentos nos processos administrativos: chamamentos públicos ou licitações públicas, divulgadas em editais de convocação pelos gestores estaduais e municipais para a compra de serviços de Saúde privados. Não há outra maneira de se prever a participação do setor privado a não ser as previstas na Constituição. Todas as vezes que um estabelecimento de Saúde privado quiser participar da prestação e operação de serviços do SUS, terá que observar as seguintes características: celebração de contrato conforme as normas de direito público; a instituição terá de estar de acordo com os princípios e normas técnicas estabelecidos pelo SUS, e, em terceiro lugar, a integração dos serviços privados à rede regionalizada e hierarquizada, atendendo à pactuação e programação elaborada pelos gestores públicos.
Editorial GesSaúde – Para um hospital de médio e pequeno porte, quais são os principais tipos de demandas encaminhadas pelo SUS?
Arthur Chioro – Um hospital de pequeno porte pode ser especializado em obstetrícia, cuidados renais ou oftalmológicos, por exemplo. Não necessariamente o porte é determinante. Porém, é claro que, até por uma questão de escala, é difícil para um hospital oferecer uma pequena quantidade de leitos ou outros serviços e, ao mesmo tempo, encontrar um ponto de equilíbrio financeiro. Mas eu diria que, para hospitais de médio e pequeno porte, olhando objetivamente para o perfil epidemiológico e demográfico do País, a principal demanda seria o cuidado aos pacientes fora de possibilidades terapêuticas. A ideia seria que os hospitais pudessem participar de uma rede e servir de retaguarda para unidades regionais de grande porte e alta complexidade, que precisam dar alta para pacientes fora de possibilidade terapêutica, pacientes terminais. Essas instituições de grande porte não conseguem ter um espaço de cuidado adequado, encontrar vagas em hospitais de média complexidade, fazer o cuidado domiciliar, então, poderiam se beneficiar muito se pudessem contar com hospitais de médio e pequeno porte atendendo a essa demanda. Outra possibilidade são as internações em clínica médica voltadas a problemas de média complexidade. Temos uma infinidade de pacientes com problemas de média complexidade, tanto na área clínica como cirúrgica, que ocupam os leitos dos hospitais terciários e quaternários com alta taxa de permanência, que poderiam se beneficiar de internações em hospitais de pequeno e médio portes, com perfil assistencial adequado às suas necessidades. Pacientes que esperam vagas por muitos dias, em condições muito inadequadas, em UPAs e nas grandes emergências dos hospitais com problemas de média complexidade, poderiam ser muito bem atendidos em uma rede de hospitais de pequeno e médio porte.
Editorial GesSaúde – É preciso que a gestão do hospital esteja atenta à qualidade dos serviços e atendimento prestados aos pacientes encaminhados pelo SUS?
Arthur Chioro – É fundamental. Atualmente o gestor público competente, qualificado, ao fazer a contratação dos prestadores, opta pela contratualização, ou seja, pelo estabelecimento de metas quantitativas e qualitativas, considerando que a necessidade de cumprimento das conformidades sanitárias, os padrões de segurança do paciente, preceitos de humanização do cuidado, as melhores práticas clínicas e gerenciais, a observância de protocolos e diretrizes terapêuticas, entre outras medidas que possam garantir um bom cuidado. Eu diria que é imprescindível a observância de fatores de qualidade, tanto do ponto de vista assistencial como da gestão do hospital, e não meramente entregar ao contratante certa quantidade de cirurgias, internações e exames. Se espera do prestador contratado, naturalmente, uma participação efetiva na prestação quantitativa, mas é imprescindível e indissociável o aspecto qualitativo e, principalmente, a humanização do cuidado.
Editorial GesSaúde – Existe a possibilidade de as demandas do SUS gerarem algum tipo de prejuízo ao hospital se ele não tiver uma boa gestão? Se sim, quais?
Arthur Chioro – Sim, existe. É sempre muito importante observar que esse prejuízo pode decorrer em função de diversos problemas, a começar pela não observância de uma dimensão de escala que, de fato, justifique a venda de serviços ao SUS. É preciso ter uma composição adequada da oferta assistencial ao perfil de necessidades. O SUS há muitos anos não utiliza mais apenas sua tabela como forma de pagamento. A contratualização envolve uma precificação da prestação de serviços em valores mais condizentes com a realidade. Geralmente, os procedimentos de alta complexidade têm um perfil de pagamento e precificação mais adequados; já os de média complexidade apresentam valores mais defasados, então, é preciso observar uma composição da carteira de serviços prestados que permita ao prestador encontrar o equilíbrio necessário para oferecer serviços de qualidade. Mesmo que tudo isso tenha sido bem equacionado, se não há um investimento na qualificação da gestão das empresas privadas de Saúde, o prejuízo será inevitável. Comumente são feitas críticas sobre a baixa qualidade de gestão do setor público, mas também é muito comum encontrar gravíssimos problemas de gestão no setor privado. Portanto, é preciso enfrentar esses problemas de forma prioritária se o hospital quiser ter sucesso na operação com as demandas do SUS.
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