Por Agnaldo Bahia
Os mercados regulados são aqueles que demandam a intermediação de uma agente regulador capaz de impedir que os interesses conflitantes dos atores que atuem neste mercado acabem por trazer desequilíbrios ao seu funcionamento. O mercado de Saúde é um exemplo claro daqueles cuja presença do regulador é essencial. Somente para ilustrar o argumento, o que o paciente deseja é o melhor atendimento, pelo menor custo; o que a operadora deseja é uma mensalidade alta com um mínimo de uso; e o que o prestador espera é poder prestar o menor serviço sem temer o calote na hora em que a conta é apresentada ou intervenção no curso da prestação do serviço. São expectativas muito díspares para apostar num mercado sem regulamentação ou auto-regulável.
A Agência Nacional de Saúde (ANS) pode ser encarada como um mal necessário pelos liberais ou como um ator essencial para aqueles que acreditam na intervenção estatal como um elemento importante no desenvolvimento mercadológico. Quem acompanha e analisa a atuação desta agência consegue perceber que existe muito conteúdo produzido naquele órgão. Este conteúdo é importante no processo de entendimento e de regulamentação da saúde suplementar.
A Agência peca, porém, quando se trata de regular o segmento. Se a regulamentação – normativos – é um elemento importante, quando se trata de intervir e fazer valer as suas próprias normas (regulação), a ANS deixa muito a desejar. As incontáveis Operadoras que já deveriam ter sido eliminadas do mercado, mas que continuam produzindo estragos nas finanças dos prestadores é um fato que sustenta o argumento. Em defesa da ANS, pode ser apontado a desidratação imposta pelo Governo Federal que não disponibiliza os recursos necessários para uma atuação digna. A própria ANS já reconheceu em documentos oficiais que não dispõe da estrutura necessária para fiscalizar e regular como deveria.
Se a ANS merece críticas pela carência na sua atuação, os prestadores de serviços devem ser criticados pela ignorância revelada quanto a compreensão das normas e dos direitos que possuem, assim como, em relação a adoção de estratégias jurídicas que poderiam ser maximizadas se o conteúdo produzido pela ANS fosse utilizada de forma mais competente. Na medida em que os hospitais e demais atores não se apropriam das normas produzidas pela ANS, permite que o judiciário firme o entendimento de que as normas da saúde suplementar só produzem efeitos em relação aos consumidores/paciente e as operadoras. Este é um equívoco terrível, pois não existiria saúde suplementar sem os prestadores de serviço privados.
A falta de apropriação por parte dos prestadores ajuda a criar um entendimento de que a ANS deveria intermediar, apenas, a relação entre Operadora e Paciente. Se os prestadores podem ser criticados por este motivo, o judiciário deve ser criticado por tratar a Saúde sem a sua devida importância, entendendo pouco de como as relações são estruturadas, permanecendo com uma postura pouco crítica em relação ao conteúdo produzido pelos Juízes e julgando dentro de uma zona de conforto que pouco agrega ao processo de pacificação social desejada.
No jogo institucional, as Operadoras são aquelas que mais atuam no sentido de influenciar o conteúdo produzido via ANS. Esta influência, porém, tem se mostrado pouco eficaz, pois não contribui para a expansão do mercado de saúde suplementar. Ao contrário, o mercado de saúde suplementar vem diminuindo, apesar do plano de saúde ser um bem de consumo extremamente desejado pela população. Mais uma vez, uma atuação restritiva por parte das Operadoras resulta num aumento da judicialização que não para de crescer. Evidentemente esta judicialização mina ainda mais o avanço de um mercado que se mostra cada vez mais restritivo.
Os consumidores são os que mais perdem. Num país onde a necessidade de serviços de Saúde é cada vez maior, uma parcela imensa não consegue sequer ter acesso ao sistema. Outros conseguem ter acesso, mas não encontram as respostas demandadas, no tempo necessário.
Muitos defendem que a Saúde se aproxima de uma ‘tempestade perfeita’. Não há como discordar deste diagnóstico. Uma forma que os prestadores teriam de se proteger ou de diminuir o impacto desta tempestade seria uma atuação mais firme junto a ANS e uma defesa mais inteligente dos seus direitos junto ao judiciário. Não dá para permitir que o órgão regulador atue de forma canhestra, ignorando as necessidades de dois atores tão importantes para o funcionamento do segmento.
Agnaldo Bahia é advogado especialista em Saúde, consultor, professor universitário e diretor jurídico da Associação dos Hospitais e Serviços de Saúde do Estado da Bahia (AHSEB).
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