Evoluir a maturidade de gestão hospitalar é um dos caminhos para lidar com os cinco elementos externos e os oito desafios internos que influenciam o mercado brasileiro
por Roberto Gordilho
O céu sobre os hospitais brasileiros está carregado. São muitos os desafios que o setor enfrenta, formando um aglomerado de nuvens que dá origem ao que chamo de tempestade perfeita na Saúde. Ela é perfeita porque é o momento ideal para transformar esses desafios em oportunidades e se manter vivo e relevante no futuro.
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Essa tempestade é formada pela soma de cinco elementos externos – mudanças no modelo de remuneração, falta de atualização da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), esgotamento do modelo de monetização, transformação digital e consolidação do mercado – e oito desafios internos dos hospitais brasileiros: ineficiência, baixa produtividade, desperdício, um setor que não coopera entre si, baixo poder de negociação com as operadoras, baixo índice de profissionalização e informatização, além de um setor que não se conhece.
O primeiro elemento externo a ser enfrentado é a mudança no modelo de remuneração. A discussão sobre as alternativas ao pagamento por serviço, o fee-for-service, tem mais de 10 anos, mas nunca foram tão necessárias quanto agora. Após enfrentar uma de suas piores crises econômicas, os brasileiros – pessoas e empresas, já que a maioria dos convênios médicos é coletiva – não podem mais arcar com a maior parte do risco, ou seja, os altos valores dos serviços, que não estão necessariamente atrelados à qualidade. Os números da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não me deixam mentir: em 2017, as operadoras perderam 280 mil beneficiários. Em 2016 o cenário foi muito pior: foram 1,4 milhão de usuários a menos.
Outra nuvem que avança sobre o setor é a falta de atualização da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). Há pelo menos 10 anos são praticados os mesmos valores, mas nesse período a inflação acumulada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 88%. Em valores reais, os hospitais recebem hoje o equivalente a 55% do montante de 2008. Ao considerar que a inflação da Saúde é pelo menos o dobro – porque os valores dos serviços são reajustados acima do índice geral de preços -, posso afirmar que a receita caiu quase a metade no período, enquanto os custos mais que dobraram. Os mais prejudicados por essa cruel equação são os hospitais filantrópicos que atendem quase integralmente pelo SUS – e que, no interior do País, são, muitas vezes, a única opção de atendimento.
O esgotamento do modelo de monetização é mais um dos elementos da tempestade perfeita na Saúde. Atualmente, a maior parte da receita e do resultado é obtida pela “venda” de materiais, medicamentos e OPMEs (Órteses, Próteses e Materiais Especiais), o que torna as organizações grandes distribuidoras. Mas as operadoras estão criando controles mais eficientes ou pagando diretamente aos fornecedores, o que levará ao fim desse modelo de negócio e obrigará o hospital a voltar às origens de prestador de serviço – no sentido de onde vem o dinheiro.
Como se fossem poucos os desafios, a transformação digital chega para agravar esse temporal – mas também para criar oportunidades que, sem ela, seriam inviáveis. As inovações vão muito além da aquisição de ferramentas como sistemas de gestão, impressoras 3D, computação cognitiva, inteligência artificial e outras que ainda vão surgir. A tecnologia deve trabalhar a favor dos processos – caso contrário, não faz sentido.
O quinto e último elemento da tempestade perfeita na Saúde é o desafio de se manter vivo e relevante no cenário de consolidação atual do mercado, com grandes redes comprando hospitais por todo o Brasil. Esse movimento ganhou impulso em 2015, com a promulgação da Lei 13.097/2015, que permite a participação de empresas de capital estrangeiro em atividades de assistência à Saúde e em tarefas de apoio, incluindo hospitais, clínicas e laboratórios, entre outros.
A diferença entre comprar, ser comprado ou morrer no meio desse processo está na maturidade de gestão hospitalar. Para alcançá-la, o hospital deve evoluir cinco pilares fundamentais: governança corporativa, estratégia empresarial, tecnologias de gestão, gerenciamento de processos e gestão de pessoas.
A parceria de resultados, que consiste na união entre as organizações em busca dessa evolução, é um dos dos caminhos para enfrentar as turbulências. O compartilhamento de experiências ajuda a instituição a entender onde estão seus gargalos e o que deve ser feito para vencê-los, garantindo a entrega de segurança e qualidade ao paciente e gerando resultados financeiros. Esse é o guarda-chuva que fará com que o hospital passe inteiro pela tempestade perfeita – e que saia dela mais forte e pronto para enfrentar os outros desafios que virão.
Roberto Gordilho é CEO da GesSaúde e autor do livro Maturidade de Gestão Hospitalar e Transformação Digital: os caminhos para o futuro da Saúde.
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