Não estamos falando de melhoria de processos ou ganho de eficiência, mas de um reposicionamento total do papel do hospital, que hoje lucra com a doença alheia
por Roberto Gordilho
Alguns dias atrás, eu publiquei o artigo Transformação digital: prepare o hospital para essa onda, no qual compartilho minha visão sobre o impacto dessa megatendência no setor de Saúde. De uma conversa – ou resposta a comentário – a outra, percebi que é preciso dar, ainda, um passo atrás para que se entendam as etapas de digitalização de um ambiente hospitalar.
Temos hoje cinco níveis de informatização. O primeiro deles é o básico, de processos, nos quais estão 90% dos hospitais. Aqui estou falando de organizações que adotam ERPs (Sistema Integrado de Gestão Empresarial), HIS (Sistema de Informatização Hospitalar), CRMs (Gerenciamento de Relacionamento com Clientes) e outros softwares de gestão. Na segunda etapa estão as entidades que possuem um prontuário eletrônico do paciente (PEP), mas que ainda mantêm arquivos em papel.
Os hospitais do terceiro estágio são os que possuem PEP com certificado digital, estes já dispensam a impressão e assinatura, tudo é eletrônico; o quarto nível são as instituições que, além do PEP, trabalham toda a assistência sem papel – anexando à ficha do cliente todos os documentos que forem necessários à composição das análises clínicas, como resultados de exames feitos em instituições externas.
Por fim, chegamos ao quinto nível, o do hospital totalmente sem papel, no qual todos os processos – inclusive os não-assistenciais, como RH, suprimentos, faturamento, relação com a operadora, entre outros – ocorrem de forma digital. Esse cenário é absolutamente novo na Saúde brasileira, então poucas instituições tateiam formatos adequados para que ele seja colocado em prática – especialmente por mexer numa relação tão burocrática e complexa quanto a do centro de Saúde com o convênio médico.
Mas mesmo todos esses níveis de informatização não são suficientes para estabelecer um primeiro passo para a transformação digital na Saúde. Até aqui, tudo o que é feito visa ao aumento de produtividade, à melhoria de processos. Até esse ponto, ninguém pensa em reescrever totalmente a organização e, muito menos, o sistema de Saúde como um todo. Essa tarefa é da transformação digital. E acredite: muita coisa vai mudar.
Veja bem: como o hospital ganha dinheiro? Com procedimentos que objetivam tratar e recuperar o bem-estar do paciente. Para ser tratada, a pessoa precisa ter um problema de Saúde. Sem enfermidade não há receita. A doença, portanto, é mola de toda a cadeia. E para que as operações sejam rentáveis, é preciso otimizar processos e aumentar a rentabilidade. A tecnologia atua como um meio facilitador.
Mas em todas as indústrias, a transformação digital vem com um mote que, na verdade, é o motor da revolução dos modelos de negócios: o cliente como centro da estratégia.
Isso vai reverberar na Saúde, claro. E não vai demorar muito.
Toda a adaptação tecnológica dos hospitais, portanto, deverá visar ao bem-estar do indivíduo – ou seja, à não ocorrência de doenças. É nesse momento que serão construídas as instituições de Saúde. As empresas de doença vão desaparecer.
Todo o aparato tecnológico deverá focar em análises preditivas e preventivas. Big Data, dispositivos vestíveis (wearable devices), Inteligência Artificial, Internet das Coisas (IoT, ou Internet of Things), computação cognitiva e coisas que ainda nem surgiram deverão estar integrados ao PEP, para que seja possível estar um passo à frente da doença. As organizações serão centros de previsão e prevenção de enfermidades. E isso virá junto da tão discutida mudança no modelo de remuneração dos hospitais, partindo do pagamento por serviço para o pagamento por performance. Uma coisa vai permitir e estimular o desenvolvimento da outra.
Para estar pronto para esse cenário, que deve se tornar realidade daqui a poucos anos, é preciso começar agora. Quando a gente menos espera aquele futuro que era distante – pá! – chegou. Não se trata da mudança de uma ou outra entidade rumo ao ganho da eficiência. Se trata de um movimento generalizado de todo um setor. Quem não se adequar vai desaparecer, simples assim.
Roberto Gordilho é fundador da GesSaúde, mestrando em administração, especialista em sistemas de informação, engenharia de software, desenvolvimento web e em finanças, contabilidade e auditoria, possui mais de 30 anos de experiência nas áreas de tecnologia e gestão, sendo 15 na área da Saúde.
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